top of page

Nesse trajeto, agimos como falsos consumidores para ajudar na queima de seus últimos produtos. Um suposto adaptador de pen drive era anunciado com eloquência e credibilidade pelo marreteiro. O OTG (on the go) funcionava como uma ponte entre o celular e qualquer aparelho de armazenamento de arquivos, mas nas mãos do habilidoso Mikael era a mais nova tendência tecnológica: “O dispositivo essencialmente transforma seu celular em computador! ”. Exibindo cenas de um filme que ainda não havia sido lançado em seu próprio celular, convenceu quase um vagão inteiro a comprar seu produto inovador por meros cinco reais.

“A confiança é tudo” disse ele, “O vendedor não chega gritando no vagão, ele sabe a hora certa de vender”. Nesse última negócio, em que nossa equipe discretamente fez a função do “chame”, a mercadoria rapidamente esgotou. Fazer o trabalho de comprador infiltrado ou ”chamar clientes” mostrando interesse no produto em questão, foi nosso primeiro passo dentro da comunidade dos comerciantes do sistema de transporte público. Deste momento em diante palavras como “bico” ou “mula” não eram estranhas e esse novo “grupo de estagiários” ampliou nosso olhar sobre os possíveis perfis de funcionários desse sistema.

    

           “Eu invisto em automóveis, tenho uma casa sendo construída para minha família, Até empresto dinheiro à juros aplicados (agiotagem). Esses caras que gritam, esperneiam, são tudo bobo. Quem é vendedor de verdade não precisa disso não”, afirmou o ambulante Mikael, que não quis revelar seu sobrenome. O marreteiro é relativamente experiente na prática e está no ramo há 18 meses. Ele contou que a vida como peão de obra não rendia o esperado. O desespero da crise, somada ao crescente desemprego, foram fatores que o levaram ao trem. Por quase meia hora, Mikael nos contou todos os prós e contras de ser vendedor ambulante. Nos disse também que haviam três amigos que estavam iniciando no trabalho e que estariam dispostos a nos conceder uma entrevista. Em seguida saímos da estação rumo ao Brás para encontrar quem nosso guia se referiu como os “estagiários”.

Divididos entre menores de idade, primos e amigos de infância, vimos diversas histórias de homens, pais de família e estudantes em busca de uma oportunidade melhor, mas sempre nos deparávamos com a mesma situação. Jovens ambiciosos com pouco tempo de experiência, e ainda menos visão de futuro. Honestamente qualquer comerciante, mesmo que regularizado em empresa com CNPJ, comparado ao nosso anfitrião Mikael, deixaria a desejar.                   

O vendedor ambulante comentou a respeito de um colega que havia trabalhado no trem durante os últimos seis anos. Disse que esse tal rapaz comercializava  para bancar sua faculdade, e por ser muito comunicativo não teria problema em nos ceder uma entrevista com direito a imagem e uma vasta experiência de vida na CPTM. Assim conhecemos Marcos Paulo. Ou melhor, Marcolino.

"A CONFIANÇA É TUDO"

© 2017 por @artmiceli. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page